Hank olhou a sua volta e retesou a corda de seu arco. A escuridão naquela parte da floresta ocultava inúmeros perigos, mas seus olhos de elfo o ajudavam a se manter sempre um passo a frente.
Mesmo assim, algo o incomodava.
— Ainda nenhum sinal dos trolls? Eles são realmente furtivos ou você só bebeu demais? — Borr, o velho guerreiro anão o provocou.
— Nunca vi Hank bêbado, pena que não posso dizer o mesmo de você. — Thalis riu e dedilhou algumas notas em seu alaúde.
A atitude brincalhona do bardo era só um recurso para esconder o medo, mas também era algo que o fazia tomar atitudes idiotas que comprometiam a segurança do grupo. Atitudes como tocar um instrumento musical quando todos deveriam estar focados em não chamar a atenção de eventuais inimigos.
— Quer que toda a maldita floresta saiba que estamos aqui? — Hank fuzilou Thalis com os olhos.
— Não tem ninguém aqui além da gente. — O outro deu de ombros. — Estamos procurando por um sinal do covil dos trolls que assombram essa mata a horas e não encontramos nada!
Borr riu, mas se calou ao ver o olhar de censura do elfo. Mikhail, o jovem clérigo de Azura, ficou quieto porque já estava acostumado com as birras de seus colegas. Além do mais, ele também sentia que algo realmente estava errado naquela floresta.
O bardo que encontraram na taverna da cidade de Herris tinha falado sobre uma velha torre assombrada naquele bosque. Os soldados que a guardavam, muitos anos atrás quando aquele trecho ainda fazia parte do reino de Thorges, haviam morrido e sido amaldiçoados por um feiticeiro que os transformou nos trolls que agora atacavam viajantes. Diziam que a torre guardava um antigo tesouro do qual muitos poucos tinham conhecimento e era isso que os havia motivado a investigar tais rumores.
Claro, bardos cantavam sobre muitas idiotices. Thalis mesmo vivia inventando canções sobre coisas que nunca aconteceram, mas eles estavam com pouco dinheiro e com tempo sobrando. Por mais tolo que fosse o motivo que os arrastara até ali, ainda eram aventureiros e precisavam de dinheiro para viver.
Mikhail não sabia explicar porque se sentia nervoso ali, mas buscou se acalmar. Se o espírito do feiticeiro ainda estivesse por ali ou se alguma maldição ainda contaminasse aquelas matas o Deus Azura já o teria alertado. Sua paz estava inabalada, um sinal de que qualquer perigo que estivesse ali não era algo que exigiria sua magia divina. O machado de Borr e as flechas de Hank deveriam bastar.
O clérigo ainda não fazia ideia do quanto se enganava.
— Preciso concordar com o Thalis. — Borr se meteu na discussão do arqueiro e do bardo. — Já conheci trolls sorrateiros, mas nunca encontrei um que não deixasse pelo menos algum sinal de s…
O anão parou de falar, largou seu machado de batalha e levou as mãos até a garganta. Sua pele mudou de um tom claro para azul em questão de segundos e ele logo caiu duro no chão. Seus olhos esbugalhados guardavam o horror que sentiu nos segundos finais de sua vida.
— Mas que merda? — Hank se concentrou e quando seu ouvido captou um leve barulho de tecido sendo arrastado pela grama do chão, ajustou sua mira e disparou.
Três flechas cortaram o ar e atingiram a escuridão da floresta.
— Você viu alguém ali? — Thalis tentou encontrar o que havia chamado a atenção do amigo, mas só viu trevas e árvores.
Então o elfo gritou e soltou seu arco. Alguma coisa invisível o ergueu do chão e o bardo assistiu em desespero enquanto via o corpo do amigo ser torcido e quebrado por alguma força sobrenatural bem diante de seus olhos. Ele buscou seu alaúde, tentou recordar alguma magia que pudesse ajudá-lo, mas nem sabia com o que lidava.
O clérigo se recobrou do choque inicial e agiu.
— Azura, revele nosso inimigo! — Mikhail ordenou e invocou o poder de sua fé.
O símbolo sagrado de seu deus, o medalhão de prata no formato do olho de Azura, entrou em combustão e o fez gritar de dor.
“Azura já tentou impor sua vontade sobre mim uma vez, ele ainda guarda a cicatriz que deixei em sua face. Você acha mesmo que um servo dele pode ter mais sorte?”
A voz de uma mulher soou ao redor do grupo e irrompeu em uma gargalhada que fez Mikhail gritar. Lágrimas de sangue jorraram de seus olhos e ele caiu no chão, tão morto quanto o anão.
Thalis se mijou quando o elfo foi arremessado diante dele com todos os membros virados nas direções erradas. Um frio sobrenatural fez o bardo tremer e então a figura de uma velha surgiu diante de seus olhos. A pele pálida estava marcada por rugas e feridas. Um vestido escuro e muito rasgado flutuava um pouco acima do chão e ele notou que ela não tinha pés. Seus cabelos, longos e escuros como seus olhos, balançavam ao vento e quando ela sorriu insetos escaparam de sua boca e rastejaram por seu corpo espectral.
— Não me mate… — Foi só o que Thalis conseguiu dizer quando a mulher se aproximou.
Dedos gelados passearam por sua face e o forçaram a olhar para ela.
— Agora, por que eu mataria você? Sempre gostei de artistas. — A velha riu e beijou sua face. O lugar em que seus lábios o tocaram ardeu e ele gritou, agoniado.
Thalis se encolheu e fechou os olhos. A presença daquele ser o fazia ter vontade de desaparecer.
— Não desejo você, mas vou aguardar suas oferendas. Não me deixe esperar demais, minha fome dói e me deixa de mau humor.
Quando finamente conseguiu juntar coragem, o bardo abriu os olhos e se viu só. Não havia sinal do cadáver de seus amigos e ele nem se deu ao trabalho de procurar por eles. Ficou de pé e correu.
Thalis voltou até a taverna onde ele os outros haviam deixado alguns de seus pertences, juntou suas coisas e deixou a cidade para trás sem pensar duas vezes.
Na estrada, se surpreendeu ao encontrar o bardo que cantara a lenda da torre maldita.
— Ela deixou você ir? — O homem perguntou.
Thalis não conseguiu responder logo de cara.
— Ela te deu sua marca, não? O beijo?
— Quem é ela? Quem é você?
O outro bardo lhe ofertou um sorriso triste.
— Nunca descobri nada sobre ela, mas posso te dizer que sou um emissário. Eu e você agora somos os emissários dela e precisamos convencer outros a explorar a floresta dela porque a fome a deixa de mau humor.
O homem se aproximou de Thalis e o encarou com seus olhos castanhos e cansados.
— Eu não quero vê-la de mau humor, você quer?
Thalis fez que não com a cabeça.
— Ótimo, então temos até a próxima lua minguante até que ela desperte de novo e toda vez ela exige mais comida.
— Isso é loucura!
O bardo de olhos castanhos riu.
— Loucura? Não, isso é trabalho para dois bardos. Eu vou fazer minha parte e acho bom que você faça a sua!
E assim, sem dizer mais nada, os dois artistas seguiram pela estrada. Eles tinham músicas para compor e aventureiros para levar até o lar da mulher que os marcara com seu beijo maldito.
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