A descrição de cenários desempenha um papel crucial na construção de um mundo fictício rico e envolvente. Principalmente quando falamos de ficção especulativa (fantasia, ficção científica e horror), um worldbuilding minucioso precisa que cada parte de sua criação, seja uma cordilheira de montanhas, ou um guarda-roupas que leva à uma dimensão fantástica, sejam descritos com emoção e sem muita “encheção de linguiça”
No entanto, o que muitas vezes é subestimado é o poder das ações do personagem na criação desse cenário e na transmissão de emoções profundas aos leitores. Temos, muitas vezes, muitos parágrafos (às vezes, até páginas) de descrições de cenários e ambientes. O que, na maioria das vezes, torna a leitura arrastada e cansativa. Isso quando não quebra toda a ação de uma narrativa.
Neste artigo, vamos ver a importância de descrever cenários a partir de ações e emoções de um personagem, e destacar como isso pode enriquecer a narrativa e envolver seus leitores de maneira mais profunda.
O Papel das Ações nas Descrições de Cenários
As ações dos personagens são como pinceladas em uma tela. Você adiciona cores e detalhes à paisagem descrita. Em vez de simplesmente declarar que um cenário é assustador, você, como autor, pode mostrar o medo do personagem por meio de suas ações e reações. Essa abordagem cria uma experiência mais imersiva para o leitor, permitindo que eles sintam a tensão no ar. Desa forma eles podem se conectar com o personagem de uma maneira mais significativa.
Por exemplo, em vez de dizer que a visão de uma fênix dourada o deixou abismado em frente ao templo, você pode colocar que seu personagem ficou sem palavras, com os olhos fixos na ave belíssima que descia dos céus, batendo as asas com penas que, de tão douradas, refletiam a luz do sol mais do que as paredes banhadas a ouro do templo, que antes brilhavam soberanas em meio à floresta sombria.
Acima, além de dar ao leitor uma forma de visualizar a criatura mística, aproveitar para descrever o lugar em que o personagem estava.
Expressão de Emoções
As ações de seu personagem são uma forma eficaz de expressar suas emoções. Por exemplo, se um personagem está enfrentando um cenário onde ele viveu um grande trauma, talvez um vale onde lutou ao lado de valorosos companheiros, que perderam ali as vidas, suas ações podem incluir tremer das mãos, punhos cerrados, batimentos cardíacos acelerados e lágrimas nos olhos. Esses sinais físicos transmitem ao leitor a intensidade das lembranças que o personagem está experimentando. Isso permite que o leitor se conecte emocionalmente com o personagem, compartilhando sua angústia.
Adição de Profundidade
Além de expressar emoções, as ações do personagem também adicionam profundidade ao cenário. Em vez de apenas descrever a aparência de um lugar, as ações do personagem revelam como ele interage com o ambiente ao seu redor. Isso pode incluir tocar em objetos, explorar detalhes ou reagir a elementos específicos do cenário. Essas interações não apenas enriquecem a descrição do local, mas também ajudam a criar um senso de realismo e autenticidade na narrativa.
Por exemplo, em Percy Jackson e a Maldição do Titã.
Quando Percy e seus amigos chegam ao Jardim das Hespérides, ele sente cheiro de hortelã misturado com halito de quem não escova os dentes há uns séculos. Quando questiona isso, ele é alertado de que, se fosse um dragão, também gostaria de mascarar seu hálito ruim. O que mostra que estão perto de encontrar um Guardião de Limiar, um obstáculo que terão que enfrentar para chegarem até o objetivo.
Construção de Atmosfera
As ações do personagem também desempenham um papel fundamental na construção da atmosfera de um cenário. Por exemplo, se um personagem está caminhando em uma floresta escura, suas ações, como pisar em galhos secos, podem criar sons que contribuem para a atmosfera sinistra. Isso faz com que o leitor sinta o ambiente da floresta escura de forma mais vívida, imergindo completamente na história.
Narrativa Interativa
As ações do personagem transformam a narrativa em uma experiência interativa para o leitor. Em vez de apenas observar passivamente o cenário, os leitores se envolvem emocionalmente e mentalmente à medida que acompanham as ações do personagem.
É muito comum que autores iniciantes na ficção especulativa queiram imitar Tolkien, gastando folhas e folhas para descrever os cenários que criaram. Isso não acrescenta valor à sua obra. Pelo contrário. Estamos na era da informação e da falta de foco. Se algo for tedioso demais, o leitor pode pular toda a descrição que você criou para encontrar algo que o interesse. Ou, pior, pode desistir de ler sua história.
Quando a narração ocorre de forma interativa, cativando o leitor, o efeito é o contrário do que descrevi no parágrafo anterior. Seus leitores se colocam no lugar do protagonista. Sentem as mesmas emoções e as reações que ele, enquanto a história se desenrola. Essa conexão torna a narrativa mais envolvente e memorável.
Como Descrever Ações e Emoções de Forma Eficaz
Agora que entendemos a importância de descrever ações e emoções ao descrever cenários, é fundamental saber como fazê-lo de maneira eficaz. Aqui estão algumas dicas para tornar essa técnica mais impactante na sua narrativa:
Observação Detalhada
Comece observando detalhadamente as ações do seu personagem. Imagine-se no lugar dele e pense em como ele reagiria diante do cenário. Considere não apenas as ações óbvias, mas também as reações sutis que podem revelar emoções mais profundas.
Escrevi um artigo ensinando a criar personagens emblemáticos. Use as técnicas que descrevi nesse artigo para tornar as ações de seus personagens, ao descrever cenários, mais profundas e impactantes.
Utilize os Cinco Sentidos
Ao descrever ações, não se limite apenas à visão. Explore os cinco sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar. Pense em como o personagem percebe o mundo ao seu redor através desses sentidos e incorpore essas percepções na narrativa.
Acho bacana citar personagens que são privados de alguns sentidos, como o vigilante Demolidor, da Marvel; ou o elfo mago Hearth, da série Magnus Chase e os Deuses de Asgard. Entender como eles veem o mundo, com os sentidos que possuem trabalhando em dobro para suprir o sentido que falta, é algo que pode oferecer muita coisa com que se trabalhar.
Por exemplo, o filme do Demolidor de 2003. O enredo não foi lá essas coisas, mas a forma que o protagonista usava o barulho chuva batendo na superfície das coisas ao seu redor para visualizar o cenário que o rodeava, foi algo que achei muito bom.
Evite Excesso de Descrição
Já tinha falado sobre isso. Mas só para ficar claro e você não fazer.
Embora seja importante descrever ações e emoções, evite o excesso de descrição. Seja seletivo e escolha as ações que são mais significativas para a narrativa. O objetivo é envolver o leitor, não sobrecarregá-lo com informações desnecessárias.
Conexão com a Narrativa
Certifique-se de que as ações e emoções que descrevem o ambiente estejam alinhadas com a história. Elas devem contribuir para o desenvolvimento da trama e a evolução do personagem. Não as inclua apenas por capricho, mas para enriquecer a narrativa.
Variedade de Emoções
Lembre-se de que a narrativa pode variar em emoções. Não limite as ações e emoções do personagem a um único estado emocional.
Por mais que seja importante estabelecer um comportamento dominante para o personagem, ele não é 100% do tempo apático, irritadisso ou arrogante. Cada situação ou lugar faz com que o personagem reaja de uma maneira diferente.
Permita que o personagem evolua ao longo da história, expressando uma variedade de sentimentos em diferentes situações.
Revisão e Ajustes
Após escrever as descrições dos cenários com base nas ações e emoções dos personagens, revise e ajuste-as conforme necessário. Certifique-se de que cada descrição contribua efetivamente para a narrativa e que esteja em sintonia com o tom e o estilo da história.
Exemplo Prático
Para ilustrar como as ações do personagem podem enriquecer a descrição do cenário, considere o seguinte exemplo:
Descrição 1: “A floresta era escura e assustadora. Pedro chegou até a beira do lago escuro, atraído por algo que não conseguia definir.”
Descrição 2: “Enquanto Pedro avançava na floresta, galhos quebravam sob seus pés, ecoando como risadas sinistras. Seu coração batia descompassadamente, e a escuridão ao seu redor parecia engolir sua coragem. A névoa vinha do lago e dançava ao seu redor, roubando o pouco calor do seu corpo. Por mais apavorante que fosse, ele não conseguia desviar os olhos daquele espelho de escuridão. Não se via nenhuma ondulação na superfície do Lago Negro. Nada indicava que alguma coisa viva existia ali. Mas Pedro sabia. Ele usava toda força de seu ser para não mergulhar nas águas sombrias. Tamanho era o esforço que seu corpo todo tremia. Pois Pedro sabia. Se entrasse ali, não sairia mais”
A segunda descrição, com suas ações e reações do personagem, cria uma imagem muito mais vívida e emocional da floresta e do lago. Os sons dos galhos quebrando, o ritmo acelerado do coração do personagem, a sensação de coragem perdida, o corpo tremendo. Tudo isso transmite a atmosfera sinistra de maneira muito mais eficaz.
Concluindo
O uso de ações e emoções dos personagens para descrever cenários é uma técnica poderosa para tornar sua narrativa mais envolvente e rica em detalhes. As ações não expressam só emoções, mas também adicionam profundidade, constroem atmosfera, tornam a narrativa interativa e criam uma conexão mais profunda com os leitores.
Ao aplicar essa técnica com sensibilidade e discernimento, você pode elevar sua narrativa a novos patamares, proporcionando aos seus leitores uma experiência de leitura memorável e envolvente.
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