Problemas no céu e no inferno

Quando se tornou um anjo de Deus, Aya imaginou que iria enfrentar muitos desafios. Só que ela nunca imaginou que enfrentar o trânsito de Nova York seria um deles.

— Droga! Desse jeito vou me atrasar! — Ela olhou para o engarrafamento à sua frente e amaldiçoou sua sorte.

Só a quinta avenida para conseguir criar um trânsito capaz de paralisar até mesmo motos em Nova York.

— Parece que tentaram assaltar um carro forte lá na frente, melhor desligar o motor e esperar até que a polícia libere a passagem. — Outro motoqueiro disse, ele estava parado bem ao lado dela.

Olhando para o mar de veículos ao seu redor, Aya retirou seu capacete e decidiu acatar o conselho do humano. “Sou um anjo, não preciso ficar aqui sofrendo com o sol da tarde!” ela pensou, irritada com o suor que escorria por seu pescoço.

Só que ela precisava.

A comunidade sobrenatural de Nova York tinha regras bem rigorosas quanto ao comportamento perto dos “comuns”, como chamavam todos os que não faziam ideia do quão bizarro o mundo realmente era. Um anjo voando por uma das avenidas mais movimentadas da cidade era uma das coisas que podia colocá-la na lista negra de muita gente. Não que ela estivesse tão longe assim de figurar entre os maiores encrenqueiros da comunidade sobrenatural.

— Eu deveria ter seguido a droga da rota do Waze… — A Anjo resmungou e cruzou os braços em cima do guidão de sua moto. Apoiou sua cabeça nos braços e cogitou tirar um cohilo bem ali. O sol sempre lhe dera sono.

A sensação de ter uma pequena corrente elétrica percorrendo sua pele a despertou e a deixou alerta. “Merda… claro que as coisas só poderiam ficar melhores”.

Seguindo seus instintos, Aya abandonou sua moto e caminhou até uma rua estreita, uma das várias que se espremiam pelos enormes prédios comerciais da avenida. Ali, alguns humanos passeavam de um lado para o outro, sem nem ao menos dar atenção aos coitados deitados no chão que pediam por uma esmola.

Um dos moradores de rua lhe chamou a atenção. Se tratava de um velho que tentava rastejar para fora do alcance de uma figura humanoide de quase dois metros de altura. O ser tinha a pele cinza coberta de espinhos, braços e pernas muito longos e uma face sem nariz, orelha e boca. Apenas um par de olhos negros e insectoides constituíam a face e estudavam sua presa com um prazer doentio. Ninguém além do velho e dela pareciam notar a presença do monstro.

Um coletor de almas infernal. Mesmo sendo um anjo, Aya ficou muito surpresa com o que via, desde que os deuses se foram do mundo a batalha entre céu e inferno havia sido cancelada e ninguém mais via motivos para seguir com a coleta de almas. O que aquele ser fazia em sua cidade?

Caminhando sem nenhuma preocupação até os dois, ela retirou a mochila de entrega que carregava nas costas e tirou dali as duas pizzas que deveria entregar ao cliente da TOM’S PIZZA.

— Toma, por conta da casa. — Disse ao velho que olhava para ela, para o monstro e para as pizzas sem entender nada.

“Você não tem o direito de se meter na minha caça, Anjo! O que pensa que está fazendo?” a voz sinistra do coletor soou dentro da cabeça de Aya e ela o encarou com um sorriso nos lábios.

— Como assim o que estou fazendo? Que tipo de Nova-iorquina seria eu se não te levasse para fazer um tour pela cidade?

Antes de ter tempo de absorver as palavras dela o coletor sentiu alguma coisa o retirar do chão. Aya o prendia com toda sua força, suas mãos o segurando pelos braços. Em um piscar de olhos suas asas se materializaram e a levaram com seu convidado até o terraço de um dos maiores prédios daquela rua.

O lugar estava vazio e ela tomou nota disso. Quando lhe perguntassem porque quebrou as leis da comunidade sobrenatural talvez esse pequeno detalhe pudesse lhe valer alguns pontos positivos.

“Cometeu um erro, Anjo! Um que será o seu último!” O coletor disse e tentou atacá-la assim que ela o soltou. Aya apenas se afastou dele, seus reflexos sobrenaturais voltando a funcionar perfeitamente mesmo depois de tantos anos sem prática.

“Minha mestre tem todo o direito sobre a alma daquele mortal e…”

— Aposto que sua história é bem interessante. — Ela interrompeu o coletor e acertou um chute na sua cara.

Quando a criatura perdeu o equilíbrio ela usou suas asas para ganhar um pouco de altura e desceu com os dois punhos com toda sua força na cabeça dele. A potência do golpe derrubou o coletor e ela pousou em cima de seu pescoço, quebrando o osso com facilidade. A criatura iria se recuperar em questão de minutos, mas isso lhe dava tempo de sobra para enviá-la de volta ao inferno.

Desenhando com os dedos formas invisíveis ao redor do coletor, Aya se concentrou na parte mais íntima de sua magia. Uma parte que costumava conectá-la aos demais anjos da criação e ao próprio criador. Uma aura azulada banhou o demônio e o consumiu como se ele estivesse em uma piscina de ácido. Em menos de dez segundos não havia mais sinal da existência dele e Aya se permitiu respirar e relaxar.

Novamente a corrente elétrica percorreu sua pele.

— Fala sério! — Ela se virou para ver quem iria perturbar sua paz desta vez. Fechou os punhos, mas deteve seu ataque ao se deparar com um homem negro, careca e de olhos dourados.

Ele vestia preto dos pés à cabeça e mesmo no calor que banhava a cidade o sobretudo de couro não parecia incomodá-lo.

— Fez um ótimo trabalho. — O homem disse, sua voz grave e sem sentimento. — Um trabalho bom demais para quem diz estar farta da guerra celestial.

— Em primeiro lugar, eu sempre faço um bom trabalho. — Aya bufou. — Em segundo lugar, o que diabos trouxe o todo poderoso Uriel até minha humilde morada?

Se notou seu mau humor e sarcasmo, Uriel decidiu ignorar seus modos. Aya jamais diria isso em voz alta, mas ficou grata. Não gostaria de estar do outro lado da ira do arcanjo.

— Alguém no inferno sentou na cadeira da Luz da manhã e está reclamando todas as almas que um dia foram marcadas pelos seres infernais. — Uriel disse sem enrolar. — Você irá até lá e irá colocar um fim nessa loucura.

— Não sabia que profecia fazia parte dos seus dons. — Aya retrucou. — Que tal me dizer porque pensa que eu irei aceitar sua missão?

Uriel a encarou de tal forma que todas as forças deixaram seu corpo. Apenas graças a sua força de vontade Aya não caiu de joelhos perante o arcanjo.

— Você vai fazer isso porque quem está sentada no trono de Lúcifer é a sua irmã, Grace. Ela reuniu caídos e demônios e ousa ameaçar a cidadela dos anjos de Deus. Estou aqui apenas para lhe dar a chance de colocar bom senso na cabeça dela antes que eu decida fazer isso pessoalmente. Então, irá cumprir a minha profecia?

Aya sentiu vontade de rir. Se não fosse pela total falta de sentimento na voz de Uriel ela seria capaz de jurar que ele havia feito uma piada.

— Tenho alguns amigos que vão me ajudar a dar um jeito no que minha irmã está fazendo. — Ela respondeu.

Uriel deu de ombros e então começou a desaparecer diante de seus olhos.

— Seja rápida, Aya dos protetores. — Disse, categórico. — Lhe darei três dias e nada mais do que isso. Reúna seus aliados e cuide do assunto.

Sem mais, Uriel se foi e Aya ficou de pé no terraço do prédio. Ela caminhou até a borda e olhou para a cidade abaixo, onde centenas de pessoas seguiam com suas vidinhas sem fazer ideia do que realmente acontecia no mundo. Seu celular vibrou em seu bolso e ela olhou para a mensagem que havia recebido.

“Voando na quinta avenida??? Ficou louca? Faz ideia dos problemas que vão cair no seu colo?”. A mensagem era de Jack, um mago que ela conhecia à alguns anos. Rindo, Aya respondeu: “Sei sim, mas família é família”.

Jack não iria entender nada, mas ela iria lhe explicar. O mago lhe devia um favor, assim como outros seres sobrenaturais da cidade. Estava na hora de cobrar a ajuda que muitos lhe deviam. O inferno não era um bom lugar para se visitar, mas ficava melhor com bons amigos do seu lado.


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