O barco cortou as águas geladas do mar do norte e venceu a força das ondas que tentavam impedir seu progresso. Determinados, vinte guerreiros empenharam suas forças nos remos e seguiram em frente. Desistir não era uma opção, sua cultura e povo enfrentavam o perigo da destruição. Os servos do Deus da cruz não aceitavam seus Deuses e se nada fosse feito, eles iriam apagar sua existência da face da terra.
— Não desistam! Remem com mais força! Remem como se Thor estivesse do seu lado! — Ogvenn gritou por cima do barulho do mar.
Amarrados e espremidos no meio da embarcação, trêze padres observavam seus captores com fascínio e horror. Nenhum deles alimentava a esperança da salvação. No extremo norte do mundo, sentiam como se seu Deus os tivesse abandonado. Existia algo diferente no ar dali, algo antigo e poderoso.
Algo mágico.
Dias se passaram até que Ogvenn desse a ordem para parar. Os guerreiros descansaram e aprontaram suas armas. Lâminas de espadas, facas, machados e lanças foram afiadas.
— Seu Deus respondeu alguma de suas preces? — Ogvenn perguntou, retirando a mordaça da boca do mais velho dos padres.
Os outros o chamavam de padre Henrry, mas nem Ogvenn e nem seus irmãos de batalha se importavam.
— Eu lhe fiz uma pergunta. — O guerreiro repetiu, usando a lâmina de seu machado para erguer a face do padre.
O homem encarou seu captor com serenidade. Tinha um tipo de paz em seu olhar que Ogvenn não conseguia compreender. O padre devia saber o que iria acontecer, como podia não lutar contra seu destino?
— Mesmo que o senhor me abandone a minha fé não há de…
Ogvenn o calou ao cortar sua garganta com seu machado. Os demais guerreiros do norte se uniram a matança e tudo terminou em segundos.
Sangue tomou conta do chão do barco. Os últimos a morrer tentaram invocar seu Deus morto, mas ninguém veio ao seu auxílio.
Após cortar fora o coração de suas vítimas, Ogvenn os colocou em uma bandeja e deixou suas armas no chão. Seus irmãos o imitaram e aguardaram.
— Trago treze sacrifícios até o limite de Midgard. Treze mortes dedicadas ao pai de todos. Ele nos vê, sentado em seu trono no salão dos Deuses e pedimos que venha ouvir o que temos a lhe dizer!
Ogvenn gritou o seu pedido e depois urrou para o céu do dia. Os outros se uniram ao seu grito de guerra e todos permaneceram gritando por horas à fio.
A resposta veio quando Ogvenn pensou que não seria mais capaz de falar. Nuvens escuras tomaram o céu e uma forte tempestade caiu sobre o mar. Trovões atacaram as águas, mas apenas um deles atingiu o barco, caindo bem na frente do líder viking.
Uma enorme mulher de olhos azuis e longos cabelos loiros ficou de pé. Ela era maior do que qualquer guerreiro que Ogvenn já tinha visto na vida. Uma armadura feita de couro cobria apenas seu peitoral e pernas, deixando braços e pernas desprotegidos. Ela não carregava um escudo, segurando apenas um pequeno martelo em sua mão direita. Pequenos raios ainda dançavam na pedra da ponta da arma. O símbolo de Thor podia ser visto em um pingente no seu pescoço.
— Sua mensagem chegou até Asgard e a filha do trovão veio lhe trazer sua resposta. — A mulher disse, encarando Ogvenn.
Depois, seus olhos azuis passearam pelos corpos dos padres e pelo sangue. Ela não disse nada, mas seu rosto não parecia mostrar aprovação.
— Thor não tem uma filha. — Foi o que Ogvenn conseguiu dizer depois de se recuperar do choque causado pela aparição da guerreira. Sua voz saiu da garganta baixa e dolorida. — Pelo menos eu nunca ouvi falar…
— Muita coisa mudou em Asgard, humano. — A filha do trovão o cortou. — Outra mudança da qual seu povo não foi informado, Odin não deseja mais nenhum sacrifício. Não queremos mais nada com Midgard, então sugiro que voltem para casa.
— Mas precisamos… — Ogvenn tentou dizer.
— Odin sabe o que querem e eu trouxe a resposta. Não queremos mais nada com Midgard. Vão para casa em paz e não voltem a pedir nossa ajuda. A era da magia se foi e está na hora dos humanos aprenderem a confiar apenas no que existe dentro de si mesmos. — Ela o interrempeu de novo e então lhe deu as costas.
O sangue do líder dos Vikings ferveu e a raiva tomou controle dele. Quando gritou, a dor em sua garganta não o incomodou mais.
— Não viemos de nossas terras até o limite do mundo para sermos dispensados como cachorros!
A filha do trovão nem ao menos se virou para falar com ele.
— Não voltaremos para casa sem falar com Odin, não iremos ouvir o que uma mensageira qualquer tem a dizer e não iremos embora até que Odin venha aqui ao invés de se fazer ouvir pela boca de uma cadela!
Gritos de apoio vieram dos demais guerreiros que finalmente encontraram suas vozes e sua coragem. Trovões explodiram com mais intensidade no céu e a chuva ganhou força.
A filha do trovão se virou e caminhou até ficar a um palmo de distância do líder viking. Raios escaparam de seus olhos quando falou.
— Três alegações saíram de sua boca e apenas uma delas é verdadeira.
Ogvenn engoliu em seco e desviou o olhar. Não teve coragem para encarar o poder e fúria contida que viu dentro dos olhos da guerreira.
— Qual é a verdade? — Ele perguntou, tentando não tremer.
— Vocês não voltarão para casa. — Ela respondeu e então ergueu o seu martelo para o céu.
Os trovões atenderam seu chamado e invadiram o barco. Um exército que força nenhuma da terra poderia impedir. Gritos de dor e o cheiro de carne queimada foi a última coisa que Ogvenn percebeu à sua volta.
Quando a tempestade parou o mar voltou a ficar calmo e limpo. Nenhum sinal do barco ou de seus tripulantes podia ser visto em lugar algum.
Ninguém nunca mais ouviu falar de Ogvenn e de seus irmãos de batalha. Nunca mais se ouviu falar de Deuses intervindo pelos homens no norte do mundo e nem em nenhum outro lugar. Nunca mais alguém ouviu um trovão soar como aqueles que os Vikings temiam e respeitavam.
A filha do trovão havia dito a verdade. A era da magia não existia mais e os Deuses deixaram a existência logo depois dela.
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